Por Paulo Monteiro Júnior

segunda-feira, 7 de março de 2016

As sementes do feminismo no Brasil

Uma das primeiras mulheres a publicar na grande imprensa brasileira, Nísia Floresta abalou as estruturas da sociedade patriarcal brasileira do século XIX ao defender a valorização da mulher


No dia internacional da mulher, trago para discussão neste blog, um fragmento do texto da Dra, Constância Lima Duarte, que promove uma excelente explanação sobre as contribuições de Nísia Floresta para promoção da igualdade de gênero no nosso pais. Parabéns a todas as mulheres que ajudam na construção de uma sociedade mais igualitária.

Numa época em que as mulheres brasileiras viviam trancadas em casa, submetidas aos pais, maridos, ou mesmo irmãos, uma norte-rio-grandense de Papari, nascida em 12 de outubro de 1810, teve um vida diferente. Tão diferente que hoje sua cidade natal leva seu nome, Nísia Floresta. Na verdade, Nísia Floresta Brasileira Augusta era o pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, responsável pelas primeiras páginas da história da luta feminina em busca de seus direitos no Brasil e que merece destaque pela coragem revelada em seus escritos e pelo ineditismo de suas idéias.
Casada aos treze anos, separou-se e voltou a morar com a família. Aos vinte, residindo em Olinda, apaixona-se por um jovem acadêmico de direito, Manuel Augusto de Faria, com quem passa a viver e tem uma filha de nome Lívia. Em 1833, a família se transfere para Porto Alegre, onde nasce o segundo filho e, em seguida, o companheiro adoece repentinamente e falece, aos 25 anos. Nísia permanece em Porto Alegre ainda alguns anos, dando aulas particulares e escrevendo para jornais, até que os conflitos da Revolução Farroupilha praticamente a obrigam a transferir-se para a capital do Império, em 1837.
No ano seguinte, já instalada no Rio de Janeiro, ela anuncia nos principais jornais da Corte a abertura de uma escola para meninas, a que dá o nome de Colégio Augusto, que se torna uma instituição conceituada. Enquanto a maioria das escolas enfatizava a “educação da agulha”, ou a “educação de sala”, dando ênfase para as aulas de bordado, canto, francês e piano, o Colégio Augusto incluía em seu currículo o ensino do latim, italiano, francês, inglês, geografia, história, aritmética e língua pátria, até então reservados apenas aos garotos. O colégio também se destacou por condenar o uso do espartilho e por incentivar a prática de atividades físicas, uma novidade da medicina higienista, contrariando a tendência geral de manter as jovens inativas e recolhidas. Por tudo isso, foram muitas as críticas que o colégio de Nísia Floresta recebeu, condenando principalmente as disciplinas consideradas “supérfluas” e “desnecessárias” à formação das meninas.
Nísia Floresta foi uma das primeiras mulheres no Brasil a romper os limites do espaço privado e a publicar textos na grande imprensa. Desde 1830 seu nome aparece em conhecidos periódicos. (...).Nísia Floresta publicou cerca de 15 títulos em português, francês e italiano, entre romances, contos, crônicas, ensaios e poemas, no melhor estilo romântico. E em praticamente todos se encontra a firme intenção de formar consciências e de alterar as relações entre homens e mulheres. (...)
O primeiro livro escrito por Nísia Floresta é também o primeiro no Brasil a tratar dos direitos das mulheres à instrução e ao trabalho. Direitos das mulheres e injustiça dos homens foi publicado em 1832, quando a grande maioria de nossas mulheres vivia enclausurada em preconceitos, submissas e analfabetas, sem qualquer direito a não ser o de ceder sempre à vontade masculina. Seu livro denuncia o mito da superioridade do homem e exige que as mulheres também sejam consideradas seres inteligentes, “dotadas de razão” e merecedoras de respeito. Foi inspirado nas novíssimas idéias que agitavam os meios letrados da Europa, que também reivindicavam uma condição mais justa para as mulheres. Nísia faz uma adaptação das idéias estrangeiras e escreve o texto fundador do feminismo brasileiro. Afirmava que a mulher era tão capaz quanto o homem de ocupar cargos de comando, como de general, almirante e ministro, ou de exercer a medicina, a magistratura e a advocacia, além de defender uma sociedade que valorizasse a função materna. Nísia vai fundo em suas intenções de acender o debate e de abalar as eternas verdades de nossas elites patriarcais.
Como também ocorreu com outras escritoras do século XIX, o nome de Nísia Floresta caiu no esquecimento e durante muito tempo não se ouviu falar dela. A historiografia literária nacional não registra sua obra como escritora romântica, e tampouco a história da educação a menciona como uma de nossas primeiras educadoras. Apenas recentemente, com o impulso dos estudos de gênero, esta e outras autoras voltaram a ser lembradas e suas obras se tornaram motivo de investigações. E não era sem tempo. No momento em que se pesquisa e se constrói a história intelectual da mulher brasileira, é chegada a hora de dar a Nísia o lugar de destaque que ela de fato merece, e reconhecer o ineditismo de seus escritos. A autora, que tão longe iria em sua trajetória de vida, foi uma das raras mulheres de letras que surgiram no Brasil patriarcal de seu tempo. Mas foi mais ainda. Nísia Floresta foi uma brasileira erudita e “ilustrada” como bem poucas em nossa história.
Constância Lima Duarte é professora-doutora de literatura brasileira na Universidade Federal de Minas Gerais e autora de Nísia Floresta – a primeira feminista do Brasil (Editora Mulheres, 2005) e Nísia Floresta: vida e obra (Edufrn, 1995).
Texto completo disponível em Revista de Historia.
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